Sinopse

O povo de Bole-Bole, localizada na zona canavieira da Bahia, se mobiliza em torno de um plebiscito para a troca do nome da cidade para Saramandaia. Porém, os coronéis da oposição evocam motivos históricos para manter o nome da cidade. De um lado estão os Mudancistas, liderados pelo Coronel Tenório Tavares, o prefeito Lua Viana e seu irmão João Gibão, que se sentem envergonhados pela origem do nome, relacionado a uma aventura local de D. Pedro I. De outro, os Tradicionalistas, liderados pelo Coronel Zico Rosado.

Enquanto se decide a causa central, a cidade é palco dos maiores absurdos: João Gibão, sob a aparente corcunda, esconde de todos que possui um par de asas; Zico Rosado solta formigas pelo nariz; Dona Redonda explode de tanto comer; Seu Cazuza ameaça cuspir o coração toda vez que se emociona; a “fogosa” Marcina, quando excitada, fica em brasa, queimando tudo ao seu redor; e o Professor Aristóbulo, além de não dormir há anos, vira lobisomem em noites de sexta-feira com lua cheia.

Logo no início, durante uma discussão sobre a mudança do nome da cidade, Seu Cazuza fica tão vermelho que o coração vai parar na boca. Ele consegue engoli-lo de volta, mas é dado como morto – o povo acha que ele não engoliu direito. Como era contra a substituição do nome Bole-Bole, os tradicionalistas logo passam a considerá-lo como o primeiro mártir de sua causa, dizendo que ele morreu de “indignação cardíaca”. O defunto, porém, volta à vida durante seu cortejo fúnebre.

Interesses políticos e econômicos estão por trás da discussão sobre a mudança do nome da cidade. Tenório Tavares defende a troca, pois pretende lançar no mercado a cachaça Saramandaia, nome que registrou antes mesmo do plebiscito. A bebida será concorrente da cachaça Bole-Bole, produzida por seu inimigo, Zico Rosado, defensor da manutenção do nome da cidade. A briga, extensiva aos partidários de um e outro, reflete a disputa política entre os dois coronéis, que agem por meios lícitos e ilícitos para se manter no poder.

A apuração dos votos dá vitória ao nome Saramandaia, em uma disputa apertada. Os tradicionalistas tentam impedir a mudança com um mandado de segurança para anular a votação, mas o resultado é homologado. Como vários acontecimentos trágicos se sucedem – a explosão de Dona Redonda, uma seca interminável e a morte do filho do prefeito –, o povo é induzido a atribuir o azar à troca do nome da cidade, levando Zico Rosado a se aproveitar da fé popular para tentar fazer com que Saramandaia volte a ser Bole-Bole.

Globo – 22h
de 3 de maio a 31 de dezembro de 1976
160 capítulos

novela de Dias Gomes
direção de Walter Avancini, Roberto Talma e Gonzaga Blota

Novela anterior no horário
O Grito

Novela posterior
reprise de O Bem-Amado

Novela inédita posterior
Nina

JUCA DE OLIVEIRA – João Gibão (João Evangelista)
SÔNIA BRAGA – Marcina
ANTÔNIO FAGUNDES – Lua Viana
YONÁ MAGALHÃES – Zélia Tavares
DINA SFAT – Risoleta
ARY FONTOURA – Professor Aristóbulo Camargo
CASTRO GONZAGA – Zico Rosado
SEBASTIÃO VASCONCELOS – Tenório Tavares
RAFAEL DE CARVALHO – Seu Cazuza (Cazuza Moreira)
ELOÍSA MAFALDA – Maria Aparadeira
MILTON MORAES – Carlito Prata
ANA MARIA MAGALHÃES – Dalva Rosado
JOSÉ AUGUSTO BRANCO – Dr. Rochinha (Antônio Rocha)
ELZA GOMES – Dona Pupu (Eponina Camargo)
WILZA CARLA – Dona Redonda / Dona Bitela
WELLINGTON BOTELHO – Seu Encolheu
MARÍLIA BARBOSA – Bia
JORGE GOMES – Nato
PEDRO PAULO RANGEL – Dirceu
TERESA CRISTINA ARNAULD – Dulce
ANA ARIEL – Dona Santinha
LÍDIA COSTA – Dona Leocádia
CARLOS GREGÓRIO – Delegado Petronílio Peixoto
BRANDÃO FILHO – Maestro Cursino de Azevedo
VANDA COSTA – Dona Fifi
LAJAR MUZURIS – Maestro Totó de Almeida
FRANCISCO DANTAS – Padre Romeu
NATÁLIA DO VALLE – Dora
MARIA RITA – Rosalice
MARIA DO CARMO VELOSO – Dona Candinha
CHICA XAVIER – Das Dores
AURICÉIA DE ARAÚJO – Siá Jurema
GERMANO FILHO – Zé Vitorino
ALCÍRIO CUNHA – Firmino
MARIA HELENA VELASCO – Emília
REYNALDO GONZAGA – Timóteo
JUJÚ PIMENTA – Sai-Pra-Lá
DARCY DE SOUZA – Juventina
CATULO DE PAULA – Zebedeu
LABANCA – Seu Leitão
APOLO CORRÊA – Disgramado
IVAN SETTA – Bodoque
ZÉ PREÁ – Maestro Ranulpho

e
APOLO CORRÊA – preso
AUGUSTO OLÍMPIO – Hominho (Perivaldo, comparsa de Homão)
CARLOS EDUARDO DOLABELLA – Homão (falso agente do governo, golpista procurado pela polícia)
CÉSAR AUGUSTO – policial de Bole-Bole
FRANCISCO CUOCO – Tiradentes (um dos vultos históricos que se encontram com o Professor Aristóbulo em suas andanças noturnas)
IVAN SETTA – Filomeno Netto (repórter do Rio que vai à cidade e publica a notícia de que o filho de Zélia e Lua nasceu com asas)
JAIME LEIBOVITCH – Dr. Scholl (antropólogo que vai à cidade examinar o filho de Zélia e Lua, que nasceu com asas)
MILTON GONÇALVES
TARCISIO MEIRA – Dom Pedro I (um dos vultos históricos que se encontram com o Professor Aristóbulo em suas andanças noturnas)
ZIEMBINSKI – Monsenhor Dagoberto (chega à cidade para investigar a história de João Gibão)

– núcleo de JOÃO GIBÃO (Juca de Oliveira), homem arredio, retraído, cobre-se com um gibão para esconder um defeito nas costas. De inteligência e sensibilidade agudas, possui dotes paranormais, como a premonição. Isso o angustia, pois não pode influir para modificar o rumo da vida. É vereador e autor do projeto para a troca do nome da cidade de Bole-Bole para Saramandaia. Mais tarde, descobre-se que o colete de couro encobre um par de asas:
o irmão LUA VIANA (Antônio Fagundes), bem-humorado, figura popular e benquista na cidade, onde é o atual prefeito, eleito acima das disputas partidárias e das lutas entre famílias. De forte personalidade, procura se manter independente politicamente, embora seja noivo da filha de um dos líderes “mudancistas”, que querem mudar o nome da cidade
a mãe, DONA LEOCÁDIA (Lídia Costa), dedicada aos filhos, principalmente a Gibão, que a preocupa. É a única que sabe que João nasceu com asas e o ajuda a manter segredo.

– núcleo de MARCINA (Sônia Braga), não atenta a nada, seu mundo se resume ao noivo, João Gibão, e à fogueira que a consome e aumenta diante das recusas dele. O ardor crescente que deixa seu corpo em brasa a faz entrar em violentas crises. Não entende por que Gibão não a quer, se diz que a ama. E a coisa se agrava porque, além das crises, Marcina ainda se atreve a defender ideias mudancistas:
o pai, SEU CAZUZA (Rafael de Carvalho), dono da farmácia, onde se discute política e todos os acontecimentos do cotidiano. Tradicionalista exaltado, toda vez que se emociona o coração ameaça sair pela boca
a mãe MARIA APARADEIRA (Eloísa Mafalda), a parteira da cidade, já tendo auxiliado o nascimento de metade da população. Mulher de ação, muito ligada à igreja, com religiosidade que a coloca numa posição de liderança entre as beatas.

– núcleo do CORONEL ZICO ROSADO (Castro Gonzaga), descendente dos fundadores da cidade, vê a tentativa de mudar o nome de Bole-Bole como um desrespeito a seus antepassados. Dono da maior usina de açúcar da região, tem ainda a mentalidade dos antigos senhores de engenho, exigindo submissão e respeito às suas vontades. Como herança de família, mantém uma rixa com uma família rival, os Tavares. Solta formigas pelo nariz e, para aliviar a coceira, carrega um lenço vermelho no pescoço e o esfrega permanentemente no nariz:
a esposa SANTINHA (Ana Ariel), tem a postura de uma dama de engenho. Incapaz de desobedecer o marido, às vezes consegue dobrá-lo com um jeito especial e muita paciência
a filha DALVA (Ana Maria Magalhães), há dez anos, tentou se libertar partindo para o Rio de Janeiro ao encontro de um amor. Decepcionou-se ao sabê-lo casado e ficou sozinha no Rio, ganhando a vida como podia. Depois de maus momentos, doente e cansada, voltou para sua cidade, sendo recebida com o apoio da mãe e a indiferença do pai
a neta DULCE (Tereza Cristina Arnaud), filha de José Mário, assassinado num atentado ao lado da mulher. Marcada por esse trauma, procura libertar-se do passado e tem uma visão de mundo totalmente oposta a do avô
o afilhado CARLITO PRATA (Milton Moraes), homem da mais alta confiança do coronel, seu melhor amigo, servidor leal e sócio na exploração da cachaça Bole-Bole, produzida na uisina. De caráter duvidoso, é envolvente e amoral, e equilibra a violência do patrão com suas artimanhas. Foi o amor por quem Dalva partiu para o Rio de Janeiro
a empregada DAS DORES (Chica Xavier), fiel servidora
o capataz FIRMINO (Alcírio Cunha), capaz de matar, se o mandarem, e de morrer para guardar um segredo.

– núcleo do CORONEL TENÓRIO TAVARES (Sebastião Vasconcelos), liberal conservador, de mentalidade menos estreita que a de Zico Rosado. Esforça-se para ser mais progressista, embora a formação de ambos seja basicamente a mesma. Detesta os Rosado tanto quanto é detestado por eles, em uma rixa com acusações mútuas de assassinato. Homem de vigor, participa ativamente da campanha pela mudança do nome da cidade, que envolve igualmente toda a família Tavares:
os filhos: ZÉLIA (Yoná Magalhães), formada em veterinária, aplica seu curso no cuidado dos animais da fazenda. É descontraída, impetuosa, e somente Lua Viana, seu noivo, consegue acalmá-la. De personalidade forte, é uma das líderes na campanha pela troca do nome de Bole-Bole, atividade que exerce com idealismo e paixão. Acabam casando-se e dá à luz uma criança com asas,
DIRCEU (Pedro Paulo Rangel), o mais inteligente da família e também o mais suscetível. Sua extrema sensibilidade, introspecção e timidez chegam a deixar o pai em dúvida sobre sua masculinidade. Apaixona-se por Dulce,
e NATO (Jorge Gomes), um coronel em formação. Inteligência não muito brilhante, envolve-se plenamente com as atividades da usina, numa preparação para a futura substituição de seu pai na administração da fazenda
a avó CANDINHA (Maria do Carmo Veloso), senhora com quase 90 anos, surda e esclerosada. Fala sozinha, resmungando coisas incompreensíveis e enxotando galinhas imaginárias da casa.

– núcleo do PROFESSOR ARISTÓBULO CAMARGO (Ary Fontoura), sofre de insônia crônica, não dormindo há quase dez anos, o que o faz perambular à noite na cidade, à cata de um velório ou qualquer passatempo. É o primeiro filho nascido após uma série de seis irmãs, e sua palidez é mortal. É nisso que se alimenta a lenda de que ele se transforma em lobisomem nas noites de quinta para sexta-feira:
a mãe DONA PUPU (Elza Gomes), senhora afável que guarda em casa a cabeça mumificada do marido morto, BELISÁRIO. Raramente sai de casa, desde que o marido foi torturado por remanescentes do bando de Corisco. Desde esse dia, teme um novo ataque, mesmo depois que os cangaceiros deixaram de existir.

– núcleo de RISOLETA (Dina Sfat), dona de uma das únicas hospedarias da cidade. Mulher audaciosa, não se atemoriza com as campanhas moralizadoras com que a ameaçam. Tem uma paixão mórbida pelo professor Aristóbulo, ansiando por vê-lo transformado em lobisomem. É mãe de Dulce, que desconhece o parentesco, pois foi levada ainda pequena para morar com Zico Rosado, que deu dinheiro a Risoleta para que ela deixasse a cidade:
o hóspede DR. ROCHINHA (José Augusto Branco), bebe para espantar a amargura de ter sido abandonado pela noiva, Dalva, às vésperas do casamento, e também por uma frustração profissional
as garçonetes DORA (Natália do Vale) e ROSALICE (Maria Rita), são do interior e, depois de um mau passo, foram expulsas de casa. Risoleta as amparou como se fossem sua filhas.

– núcleo de DONA REDONDA (Wilza Carla), uma mulher que engorda sem parar, desconhecendo os perigos da obesidade. A gordura não lhe dá qualquer preocupação, e se acha bastante charmosa. Seu apetite é descomunal, e nada a convence a reprimi-lo. Até que acaba explodindo de tanto comer:
o marido, SEU ENCOLHEU (Wellington Botelho), consegue fazer a previsão do tempo de acordo com a dor que sente nos ossos. Tem esse “poder” desde que certo boi zebu fraturou todos os seus ossos. É a principal fonte para o boletim meteorológico da cidade
a filha BIA (Marília Barbosa), ao contrário dos pais, é uma mudancista militante. Namora Nato, o que não conta com a aprovação dos pais, pois eles não acreditam nas boas intenções do rapaz
a irmã DONA BITELA (Wilza Carla), que surge quando Dona Redonda explode. Muito parecida com ela, a diferença são os cabelos. Todos a confundem com a falecida.

– núcleo do MAESTRO CURSINO DE AZEVEDO (Brandão Filho), barbeiro e regente da Filarmônica Bolebolense, banda partidária dos tradicionalistas, é pai de seis filhas, o que o faz tremer diante da possibilidade de ter um filho homem que seja lobisomem. Por conta disso, passa os meses controlando a mulher e lhe implorando para se valer de métodos anticonceptivos:
a esposa DONA FIFI (Vanda Costa), extremamente religiosa, opõe-se ao menor pensamento de evitar os filhos destinados a vir ao mundo, o que a coloca em conflito com Cursino. O temor de ter um filho lobisomem é bem menor do que o temor a Deus.

– núcleo do MAESTRO TOTÓ DE ALMEIDA (Lajar Muzuris), regente da Lira Euterpiana, banda partidária dos mudancistas. Seu maior amigo e inimigo é o Maestro Cursino, seu sócio na barbearia da cidade, dividida em duas salas: Bole-Bole e Saramandaia:
a irmã, BEATA MIÚDA (Auricéa de Araújo), dedica-se de corpo e alma à religião, sendo uma das beatas mais proeminentes da região, o que lhe vale, ao lado de Maria Aparadeira, a posição de líder nesse quesito

– demais personagens:
DELEGADO PETRONÍLIO PEIXOTO (Carlos Gregório), exemplo de incorruptibilidade e eficiência profissional. Elegante, amável e delicado, trata os presos com extrema humanidade, atendendo a todas as reivindicações, deixando, inclusive, a porta da cadeia aberta – e jamais houve uma fuga. De princípios morais rígidos, sua religião não permite que fume, beba, vá a festas e ame
PADRE ROMEU (Francisco Dantas), velho vigário, dono de todos os segredos da cidade. Procura não tomar partido nas lutas políticas
MAESTRO RANULPHO (Zé Préa), amigo do Dr. Rochinha e do professor Aristóbulo
ZÉ VITORINO (Germano Filho), líder da Câmara dos Vereadores
EMÍLIA (Maria Helena Velasco), mulher de Carlito, vive no Rio de Janeiro, já num processo de separação do casal. Volta a procurar por ele por não se conformar com a pensão estipulada pelo juiz
HOMÃO (Carlos Eduardo Dolabella), homem misterioso, autoritário e temido, que chega repentinamente na cidade, demandando disciplina. Está sempre de capa e óculos escuros. Ninguém sabe o seu passado. É um golpista, procurado pela polícia do Rio de Janeiro
PERIVALDO, o HOMINHO (Augusto Olímpio), assistente de Homão.

Metáfora com a opressão e intolerância

Centralizando a ação em uma fictícia cidadezinha no Nordeste brasileiro, com moradores pitorescos em situações por vezes absurdas, o autor Dias Gomes fez uma metáfora do cerceamento de liberdade no Brasil em tempos de Ditadura Militar. A cidade de Bole-Bole – que parte da população queria mudar o nome para Saramandaia – representava um microcosmo do país. A cena final, em que o protagonista João Gibão (Juca de Oliveira) sobrevoa a cidade aos olhos de todos, simbolizava a libertação das amarras e da opressão e a liberdade conquistada ao vencer dificuldades e limitações.

Outra metáfora que envolvia João Gibão foi com a intolerância às diferenças e a dificuldade em aceitar comportamentos fora dos padrões: receando o preconceito do povo, o personagem ocultava suas asas. Da mesma forma, o Professora Aristóbulo (Ary Fontoura) escondia de todos que, em noites de lua cheia, se transformava em lobisomem.

Preferida do autor

Em sua autobiografia, “Apenas um Subversivo” (Bertrand Brasil, 1988), Dias Gomes declarou que Saramandaia foi a novela que mais lhe deu prazer de escrever, embora não esteja entre as mais bem produzidas porque “exigia muitos efeitos especiais, uma tecnologia que a televisão só viria a dominar alguns anos mais tarde”. (*)

O autor deixou uma mensagem carinhosa para a equipe ao colocar o ponto final no último capítulo da novela:
“Diretores, produtores, técnicos, atores e a todos que participaram desta produção. Quando lerem este capítulo, estarei voando, não com as minhas próprias asas, como Gibão, mas com as asas de um DC-10. Mas deixo aqui a minha sincera gratidão e o meu caloroso aplauso pelo brilho e pelo entusiasmo com que atuaram nesta novela. Até breve. Dias Gomes” (*)

Saramandaia foi premiada com o Troféu Imprensa de melhor novela de 1976. Dina Sfat levou o prêmio de melhor atriz.

Realismo fantástico

Com seus personagens fantásticos – que explodiam, ardiam em fogo, nasciam com asas, botavam coração pela boca e expeliam formigas pelo nariz -, o autor trouxe o realismo mágico para a televisão e renovou a linguagem da teledramaturgia brasileira. (*)
Todavia, muitos encontraram aproximações com o romance “Cem Anos de Solidão” (1967), do colombiano Gabriel García Márquez, e com o filme Amarcord (1973), do italiano Federico Fellini.

Dias Gomes havia flertado com o realismo fantástico anteriormente, na novela O Bem-Amado (1973). Tal qual João Gibão (Juca de Oliveira) de Saramandaia, o Zelão das Asas (Milton Gonçalves) de O Bem-Amado também voou no último capítulo da novela.

Com ironia, o autor rejeitava – em entrevista ao Jornal do Brasil – o rótulo de “fantástico” para seus estranhos personagens e inusitadas situações:
“Não vejo nada de fantástico nisso. Há gente que não dorme há muito mais tempo. Outros nunca acordaram. O meu chamado realismo fantástico não tem nada de sofisticado. O próprio ponto de partida popular elimina essa hipótese, pois me baseei na literatura de cordel nordestina.”

Apesar de experimentar o realismo fantástico, trabalhando com simbologias e metáforas, Dias Gomes não escapou da censura do Regime Militar. Saramandaia foi um das novelas mais visadas pela Censura Federal na história. Quase todos os capítulos tiveram algum tipo de corte.

O autor driblou como pôde a ação dos censores e usava um estratagema: como os critérios eram extremamente variáveis, e os censores eram trocados frequentemente, o autor repetia uma cena vetada vinte capítulos adiante e, se novamente cortada, voltava a repeti-la, até ela ser finalmente aprovada. (*)

Elenco

Muitos foram os destaques no elenco, como a dupla Risoleta e Professor Aristóbulo, trabalhos marcantes de Dina Sfat e Ary Fontoura – ele como o lobisomem, tipo reeditado por Dias Gomes na novela Roque Santeiro, em 1985, vivido por Ruy Rezende (escondido sob a identidade do Professor Astromar Junqueira).

A caracterização de Ary Fontoura como lobisomem era feita pelo maquiador Eric Rzepecki. Os pelos eram colados no corpo do ator com uma cola de borracha, seguindo uma gradação de intensidade, para que fossem gravados diferentes quadros que, editados em sequência, mostrassem o passo a passo da transformação. (*)

Dias Gomes e o diretor Walter Avancini queriam o ator Paulo Gracindo para viver os coronéis Zico Rosado ou Tenório Tavares. Porém, tiveram de disputá-lo com Daniel Filho, que, à época, o queria para protagonizar a nova novela das oito, O Casarão. Ficou a cargo de Boni (José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, então superintendente da Globo) decidir em qual novela Gracindo entraria. Ele decidiu por O Casarão e Dias Gomes ficou chateado com Daniel, tendo-o acusado de usar sua influência. (“Antes que me Esqueçam”, Daniel Filho)

Foi melhor assim. Paulo Gracindo vinha de uma sequência de novelas do horário das dez (O Cafona, Bandeira Dois, O Bem-Amado, Os Ossos do Barão e Gabriela, entre 1971 e 1975). Em O Casarão, o ator acabou vivendo um tipo diferente, mais humano. Assim, também evitou-se a repetição de elenco, já que Saramandaia tinha muitas características de Gabriela, sucesso do ano anterior na qual Gracindo havia participado.

Para Saramandaia foram então escalados Castro Gonzaga, que assumiu Zico Rosado, e Sebastião Vasconcelos, que ficou com Tenório Tavares.

O ator Pedro Paulo Rangel aprendeu a andar de moto para viver seu personagem, Dirceu. No primeiro dia de gravação, caiu e quebrou a perna. A direção recorreu a um dublê, e Pedro Paulo passou a fazer suas cenas encostado, já que não podia se sentar. (*)

Participações especiais de Tarcísio Meira e Francisco Cuoco, que viveram D. Pedro I e Tiradentes, vultos históricos que se encontram com o Professor Aristóbulo (Ary Fontoura) em suas andanças noturnas.

Estreia na Globo do ator Antônio Fagundes, egresso das novelas da TV Tupi.
Única novela na Globo da veterana atriz Lídia Costa.
Primeiro trabalho na televisão do ator Carlos Gregório.

Locações e cenografia

As gravações da novela foram realizadas em estúdio e em três locações na Zona Oeste do Rio de Janeiro: em Senador Camará, na Fazenda Palácio, em Jacarepaguá, e na cidade cenográfica construída em Barra de Guaratiba, reaproveitada da novela Gabriela, gravada no ano anterior. (*)

O incêndio no prédio da TV Globo (na rua Von Martius, bairro do Jardim Botânico, no Rio de Janeiro), em 04/06/1976, quase inviabilizou a exibição da novela, já que cenas internas eram gravadas lá. Alguns cenários foram queimados e, por pouco, as fitas com o material gravado não foram consumidas pelo fogo, junto com fitas de outros programas. Com o incidente, as internas de Saramandaia passaram a ser gravadas em um dos estúdios da TV Educativa. (*)

Dificuldades de gravação

Walter Avancini teve dificuldade para gravar a cena em que Dona Redonda explode de tanto comer, devido à carência técnica da época e a intenção de mostrar um bom resultado. A solução foi colocar um balão inflável debaixo das roupas da atriz Wilza Carla que, à medida que caminhava, era enchido por meio de um compressor manual. Depois, para a explosão de fato, a atriz foi substituída por um balão do seu tamanho, vestido com suas roupas. A sequência foi exibida no capítulo 26.

Em seu livro “Antes que me Esqueçam”, Daniel Filho – diretor da novela das oito, O Casarão – reclamou que as tentativas de gravação dessa sequência de Saramandaia atrapalharam o seu trabalho, já que as cidades cenográficas de ambas as novelas ficavam próximas: “A produção de Saramandaia ficou uns quinze dias tentando gravar a cena da explosão de Dona Redonda, que estourava de tanto comer, literalmente. Só que os efeitos especiais não davam certo e, a cada tentativa, a equipe de O Casarão era obrigada a parar seus trabalhos.”

Trilha sonora

O cantor cearense Ednardo gravou a música “Pavão Mysteriozo” em 1974, para seu primeiro disco, e o sucesso foi apenas regional. Dois anos depois, a canção foi escolhida para a abertura de Saramandaia, tornando-se um grande sucesso popular e fazendo Ednardo conhecido de norte a sul do país. A música caía como uma luva para o protagonista João Gibão, o próprio “pavão misterioso” descrito na letra, que, como a novela, fazia uma metáfora com a liberdade e a opressão da Ditadura Militar: “Me poupa do vexame de morrer tão moço, muita coisa ainda quero olhar / (…) Não temas, minha donzela, nossa sorte nessa guerra / Eles são muitos, mas não podem voar”.

Ao livro “Teletema, a História da Música Popular Através da Teledramaturgia Brasileira” (de Guilherme Bryan e Vincent Villari), o produtor musical Guto Graça Mello revelou que a escolha pela música da abertura foi aplaudida, para logo depois ser rejeitada:
“Quando ouvi a música, adorei, achei a cara da novela (…) Liguei para o Boni, ele adorou. A voz do Ednardo, e principalmente essa gravação, é uma coisa muito marcante. Mas a novela é a ideia da repetição. A música entra oito vezes por dia, na abertura, na ida e volta do comercial, no encerramento. Resultado: no quarto ou quinto dia, ninguém aguentava mais ouvir aquilo. (…) Isso vinha nas pesquisas. No primeiro capítulo, todos adorando e, logo depois, rejeição total.”

“Pavão Mysteriozo”, porém, não saiu do ar e, apesar da eventual rejeição na época, passou posteriormente a ser lembrada com carinho pelo grande público e ficou para sempre associada à novela.

A trilha de Saramandaia é a quinta mais vendida entre as trilhas de novelas das dez da Globo, 97.534 cópias, perdendo apenas para os discos Eu Prometo Internacional (4º lugar), O Espigão Internacional (3º lugar), Bandeira Dois Internacional (2º lugar) e O Grito Internacional (1º lugar).

Em 2001, a Som Livre relançou a trilha sonora de Saramandaia, em CD, na coleção “Campeões de Audiência”, 20 trilhas nacionais de novelas campeãs de vendagem nunca antes lançadas em CD (títulos até 1988, pois no ano seguinte foram lançados os primeiros CDs de novelas).

Repetecos

A Hofer S.A. lançou na época (na vida real) a cachaça Saramandaia, bebida pelos personagens da novela.

Em 2013, a Globo produziu uma nova versão de Saramandaia, com adaptação de Ricardo Linhares, em que o ator Sérgio Guizé viveu o protagonista João Gibão.

(*) Site Memória Globo.

01. CAPIM NOVO – Luiz Gonzaga
02. SOU O ESTOPIM – Sônia Braga (tema de Marcina)
03. MALAKSUMA – Geraldo Azevedo
04. PRA NÃO MORRER DE TRISTEZA – Ney Matogrosso (tema do Dr. Rochinha)
05. CANÇÃO DA MEIA-NOITE – Almôndegas (tema do Professor Aristóbulo)
06. BORBOLETA SABIÁ – Alceu Valença (tema de João Gibão)
07. PAVÃO MYSTERIOZO – Ednardo (tema de abertura)
08. CHÃO PÓ POEIRA – Luiz Gonzaga Jr. (tema geral)
09. JECA TOTAL – Gilberto Gil (tema das disputas políticas)
10. JURITIS BORBOLETAS – Geraldo Azevedo
11. BOLE-BOLE – Wálter Queiróz
12. CASO VOCÊ CASE – Marília Barbosa
13. XAMÊGO – Fafá de Belém

Sonoplastia: Paulo Ribeiro
Coordenação geral: João Araújo
Direção de produção: Guto Graça Mello
Assistentes de produção: João Mello, Márcio Antonucci e Sérgio Mello

Tema de abertura: PAVÃO MYSTERIOZO – Ednardo

Pavão Mysteriozo
Pássaro formoso
Tudo é mistério nesse teu voar
Ah, se eu corresse assim
Tantos céus assim
Muita história eu tinha pra contar

Pavão Mysteriozo
Nessa cauda aberta em leque
Me guarda moleque de eterno brincar
Me poupa do vexame de morrer tão moço
Muita coisa ainda quero olhar

Pavão Mysteriozo
Pássaro formoso
Tudo é mistério nesse teu voar
Ai, seu corresse assim
Tantos céus assim
Muita história eu tinha pra contar

Pavão Mysteriozo
Meu pássaro formoso
No escuro dessa noite
Me ajuda a cantar
Derrama essas faíscas, despeja esse trovão
Desmancha isso tudo que não é certo, não

Pavão Mysteriozo
Pássaro formoso
Um conde raivoso não tarda a chegar
Não temas, minha donzela
Nossa sorte nessa guerra
Eles são muitos mas não podem voar…

Veja também

  • bemamado_novela

O Bem-Amado (a novela)

  • espigao_logo

O Espigão

  • roquesanteiro75_logo

Roque Santeiro (1975)

  • sinaldealerta

Sinal de Alerta

  • saramandaia13_logo

Saramandaia (2013)